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João Anglin

Dr. João AnglinFaleceu a 28 de Dezembro de 1975 no Hospital de São José em Ponta Delgada, aos 81 anos de idade, o Dr. João Hickling Anglin, ilustre ícone da pedagogia, da cultura e das letras açorianas.

Nasceu a 17 de Abril de 1894 na freguesia de São Pedro, concelho de Ponta Delgada. Estudou no Liceu da Graça e depois de acabados os estudos liceais foi estudar para o continente, onde se licenciou em Germânicas pela Universidade de Coimbra.

Exerceu funções como oficial miliciano, comandando soldados portugueses em Angola durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Esta vivência nas colónias portuguesas levou a que, mais tarde, já quando dedicava a sua vida profissional ao ensino secundário, fundasse a Secção de Estudos Coloniais no Liceu de Ponta Delgada, do qual também foi, durante muitos anos, reitor prestigiado.

Como poeta e prosador distinto, reconhecido entre os seus pares, foi destacado Cultor das Letras deixando uma bibliografia diversa e constituída por vários livros, teatro, etnografia e conferências. Foi autor de obras como «Padre Sena Freitas: antologia» (1968), «Alocuções escolares e outros escritos» (1947), «Leituras para os meus alunos» (1946), «Notas de um professor liceal» (1955), «Novas alocuções escolares e outros escritos» (1953), «Novas leituras para os meus alunos» (1954), «Trinta anos de reitorado» (1959), «Últimas notas de um professor liceal» (1961), «Flores com fruto: poesias» (1945), «O historiador Joaquim Bensaúde» (1953), «A educação nos Açores» (1955). Para além disso, prefaciou alguns livros e traduziu do inglês e do alemão obras que referenciam os Açores, nomeadamente poemas de Shelley e Alfred Lord Tennyson e «Um inverno nos Açores e um verão no Vale das Furnas» (1949) de Joseph e Henry Bullar, cujo prólogo é da autoria do reconhecido escritor micaelense e seu amigo pessoal, Armando Côrtes-Rodrigues.

Colaborou com diversas revistas e jornais, nomeadamente com o “Diário dos Açores” e como corretor das provas do “Correio dos Açores”, o que levou a que fosse designado para presidente do Instituto Cultural de Ponta Delgada. Participou também ativamente na vida pública como procurador, diretor da Escola do Magistério Primário presidente da Junta Geral e vogal da Câmara Municipal de Ponta Delgada.

Foi agraciado com as insígnias de comendador da Ordem de Instrução Pública em 1952, durante a presidência de Francisco Craveiro Lopes, e da Ordem de Infante D. Henrique em 1962, durante a presidência de Américo Tomás. Foi lhe também dedicado a toponímia de uma das ruas de Ponta Delgada.

 

O funeral

O seu funeral realizou-se pelas 16 horas do dia 29 de Dezembro após missa de corpo presente, na Capela da Nossa Senhora das Dores, de onde seguiu para o cemitério de São Joaquim. Nestas circunstâncias, falou primeiro o Sr. Dr. João Bernardo de Oliveira Rodrigues e seguidamente o Sr. Dr. José de Almeida Pavão que disse:

“Minhas Senhoras e meus Senhores

Não seria este o momento azado para sopesar merecimentos humanos, num lugar onde, medidos todos pela rasoira da igualdade, devolvem ao chão da lousa o invólucro terreno, emprestado às palpitações da vivência neste mundo. E a melhor, a mais expressiva e a mais eloquente homenagem a prestar aqui aos que a merecem será a do silêncio recolhido à sua memória.

Não me sofre, porém, a consciência que, sem quebra do respeito devido ao local e à circunstância, se cale a minha voz neste momento de despedida a quem deixa o seu nome vinculado a algo de perdurável no meio onde a sua actividade se exerceu.

Ao Dr. João Anglin ligam-me recordações indeléveis como aluno, como colega e como seu principal colaborador durante mais de duas décadas, em suma, como militante do mesmo ideal a que doámos a nossa existência.

Quando, à onze anos, o venerando Reitor do Liceu de Ponta Delgada cessou o exercício das suas actividades, por imposição legal relacionada com o limite de idade, fui, em palavras comovidas, expressar também o meu adeus de despedida a um Mestre, um Amigo e a um Companheiro que, afastando-se do nosso convívio diário, continuava, todavia, acessível ao tributo da nossa estima. Recordo ainda o calor humano dos presentes – professores, alunos e tantos admiradores – que ali foram manifestar-lhe o testemunho do seu afecto, o qual, para além do Ginásio do Liceu, se prolongou num grupo enorme de estudantes que, movidos por um impulso espontâneo e à margem de convenções e formalismos, o acompanharam até à porta da sua casa.

Tornaram-se proverbiais o seu carinho e a sua bondade manifestos perante os alunos, a contrastar com o porte austero que revestia a sua figura aprumada, mas que não raro se deixava trair por um sorriso que lhe iluminava o rosto e que fazia entrever a verdade da sua alma sempre disposta a esquecer e a relevar as faltas, perfilhando uma filosofia optimista, segundo a qual o perdão é a via mais segura e mais eficaz do arrependimento humano.

Dessa data ficou-me uma lição que tenho rememorado pela vida fora, ante a auréola de prestígio e de simpatia que o rodeavam: diríamos o espelho duma conduta manifesta em todas as facetas da sua actuação, na exemplaridade impoluta junto dos seus familiares, na alta competência do Mestre, na lhaneza do trato e na afabilidade com os seus subordinados e companheiros de trabalho e na consciência dos seus deveres como cidadão íntegro e prestante, que com tanta frequência foi solicitado a ocupar lugares de relevo na administração local. Nem consta que alguma vez a modéstia da sua vida de homem probo se tenha deixado ofuscar pelas seduções da grandeza ou do proveito material, que não raro fascinam quem se sinta tentado a macular a pureza das intenções próprias dos que só procuram o bem comum.

A obra literária do Dr. João Anglin, documentando um espírito muito culto e desejoso do saber, é, ao mesmo tempo, o prolongamento natural, orgânico, do âmbito da escolaridade, temperada pela inspiração poética, que mais espiritualizava o seu viver e se prolongou quase até aos últimos momentos de saúde mental e a despeito dos achaques que começaram a minar a robustez física que ainda manteve algumas semanas antes da sua morte.

É notável o seu contributo prestado à história açoriana através de traduções de vários depoimentos de individualidades estrangeiras que aqui vieram, atraídas pelos encantos da terra e pelas peculiaridades das suas gentes doutras eras.

Eis, minhas Senhoras e meus Senhores, algumas das facetas da sua personalidade que o tornam credor do reconhecimento e da estima dos micaelenses.

À sua estima e a esse reconhecimento venho juntar o preito da minha homenagem pessoal, ditada pelo calor da efectividade expressa, nesta hora derradeira, pelo último adeus a quem parte deste mundo com a tranquilidade de consciência própria de todos os que viveram a vida com dignidade e altura.”