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Armando Côrtes-Rodrigues

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Armando César Côrtes-Rodrigues, foi considerado na sua época o Príncipe dos Poetas Açoreanos, afirmou-se como um dos maiores intelectuais açorianos do século XX, deixando uma obra cultural marcante. É recordado na toponímia de Ponta Delgada, cidade onde também existe um espaço de memória e de criação estética, a Morada da Escrita/Casa Armando Côrtes-Rodrigues, um equipamento cultural instalado na última casa onde o escritor habitou e  faleceu  a 14 de Outubro de 1971, aos 80 anos de idade, filho do poeta António César Rodrigues, médico e co-fundador do Instituto de Vila Franca.

Nasceu em Vila Franca do Campo a 28 de Fevereiro de 1891 ficando órfão de mãe ao nascer. Frequentou o Colégio Fisher e fez os seus estudos liceais em Ponta Delgada, demonstrando já nos seus tempos de adolescência inclinação para a escrita. Concluído o ensino secundário partiu para Lisboa, onde se licenciou em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa (1910-1915), tendo, nessa altura, conhecido Fernando Pessoa. Colaborou nos dois primeiros números da revista «Orpheu» com vários poemas, alguns dos quais assinados com o pseudónimo Violante de Cysneiros. Já nessa colaboração demonstra um modernismo moderado, que viria a abandonar quase completamente ao longo do seu percurso poético, cedendo à tradição de composição lírica e reflectindo na sua obra a sua açorianidade através de um classicismo poético de acentuada vertente humanista. Regressou aos Açores em 1917, ingressando na carreira docente liceal, trabalhando nos liceus de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo (nesta última cidade apenas até se efectivar em Ponta Delgada). Apesar de radicado nos Açores, continuou a corresponder-se assiduamente com Fernando Pessoa, partilhando dos ideais da nova estética sem todavia os adoptar por inteiro. Dedica-se então ao estudo da etnografia açoriana, área em que se viria a destacar e a uma poética de pendor religioso. Os seus estudos etnográficos, para os quais efectuou importantes recolhas, centraram-se na área literatura oral e popular açoriana, das cantigas populares e dos adágios. A sua obra etnográfica está entre o que de melhor nesta área foi produzido na língua portuguesa, tendo em 1953 recebido o «Prémio Antero de Quental» com o livro «Horto Fechado e Outros Poemas», obra em que evoca as suas raízes. Foi um importante activista cultural, participando em múltiplas iniciativas e instituições, sendo um dos sócios fundadores do Instituto Cultural de Ponta Delgada, tendo dirigido a sua publicação, a revista «Insulana».

O funeral do poeta

Às 17 horas do dia 15 de Outubro de 1971, um extenso cortejo automóvel acompanhou o féretro do poeta Armando Cortês Rodrigues, que saiu da Capela de Sant’Anna em Ponta Delgada, a caminho da sua amada Vila Franca do Campo.

No adro da Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo, numerosas pessoas daquela vila aguardavam a chegada do auto fúnebre, destacando-se entre elas o presidente e vereadores do município, professores e alunos do Externato de Vila Franca e das escolas primárias e pessoas de representação social da vila. De Ponta Delgada, incorporados no cortejo fúnebre, além do Chefe do Distrito, presidente da Junta Geral, professores do Liceu, via-se um inumerável numero de amigos e admiradores de Armando Côrtes-Rodrigues, que não só quiseram acompanhar seus filhos neste doloroso momento, como ainda prestar ao grande poeta a sua derradeira homenagem. Para além destas presenças, verificaram-se ainda as representações de pessoas e entidades de fora da ilha, designadamente da Sociedade Afonso de Chaves e do seu presidente, Sr. Tenente Coronel José Agostinho, bem como do juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Contas Dr. Armando Cândido de Medeiros, representados pelo Sr. Dr. Francisco Carreiro da Costa.

No edifício dos Paços do Concelho, bem como no Externato de Vila Franca, viam-se os respectivos estandartes içados a meia haste, em sinal de luto.

Logo após a entrada do ataúde na Igreja de São Miguel, o templo ficou literalmente cheio, sendo então celebrada missa de corpo presente.

Após a celebração desse derradeiro acto religioso, alunos do externato de Vila Franca e das escolas primárias, alguns com grinaldas de flores, e acompanhados pelos seus professores, abriam o cortejo fúnebre que seguiu a pé, e no meio do mais compungido silencio, se dirigiu para o cemitério de Santo Amaro. À beira da sepultura, o companheiro de Armando Cortes-Rodrigues em mais de quarenta anos de magistério liceal e presidente da direcção do Instituto Cultural de Ponta Delgada. Dr. João H. Anglin leu, preso da maior emoção, as seguintes palavras:

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“Não é este o momento oportuno de desenvolver considerações ou comentários ao valor da obra literária deste micaelense ilustre, mas não é possível deixar de aludir, no derradeiro instante da sua presença neste mundo, ao elevado mérito das suas produções poéticas, que ficam a atestar o seu amor à terra natal e às pessoas e coisas humildes e simples, que sempre lhe prenderam o espírito e a inteligência.

Poeta essencialmente regionalista, amando o povo e cantando as facetas que melhor o caracterizam e definem, prendeu-se Armando Cortes Rodrigues, velho companheiro de longos anos nas lides do ensino, inteiramente e devotadamente ao torrão onde nasceu e se conservou quase ininterruptamente, até ficar nele sepultado após longa vida de frutuoso labor.

Açoriano conhecedor profundo da etnografia e do folclore popular do arquipélago, legou à posteridade, em prosa e verso, um monumento imperecível, que será sempre objecto de admiração e prazer espiritual de quantos prezam estas coisas, na aparência simples mas no fundo valiosas e elevadas.

Corte Rodrigues foi poeta e prosador, mas sobretudo poeta, pois que a poesia se infiltrava, como fada sedutora, em todas as suas produções literárias, ai deixando o perfume que sempre se evola das flores do campo, por modestas e apagadas que se apresentem.

Amou o mar com todas as veras, confundindo-se com os pescadores rudes e destemidos, de quem se tornava amigo e companheiro, pelo que, nas épocas próprias, se comprazia em passar longas horas em contacto directo com as ondas, imbuindo-se da luz do sol e da salsugem do oceano.

Dos homens do campo, labutando duramente com a enxada na faina de ganhar o pão de cada dia, cantou em versos deliciosos o honrado labor, na admiração do intelectual que sabe apreciar e louvar as virtudes do povo, esteio da Nação e razão de ser da sua existência.

Tinha Côrtes-Rodrigues uma alma de eleição, amante da beleza e da obra de Deus, a quem se mostrou sempre fiel, não obstante certas tempestades morais que por vezes lhe assaltaram a vivência espiritual.

Foi um amigo bom e afável, mesmo nos momentos de cólera que, parecendo duradoiros, logo se desfaziam em espuma, à semelhança das ondas que perdem o ímpeto quando batem na dura penedia.

Que o Senhor tenha a alma de Armando Cortes Rodrigues na sua mão direita, à espera dos que por cá ainda ficam aguardando a hora de partir para a viagem eterna”.